Eu acho que perdi minha fé. Não totalmente, mas, alguma coisa eu perdi.
Digo, existem vários tipos de relação com Deus, fé e afins e a minha sempre foi bem flexível, pra ser honesto. Flexível porque sempre fui capaz de ficar dias sem nem lembrar de Deus mas, quando o calo apertava, lá ia eu correndo pra pedir “luz, força e direcionamento”.
Outro dia me vi nesse mesmo lugar, tomando banho e pensando que precisava talvez voltar a frequentar a missa, ou dar um pulo numa igreja ali perto do trabalho, que adotei depois que sentei em seus bancos por algumas vezes no meio do expediente em diferentes momentos em que coisas não estavam muito legais.
O problema é, que dessa vez, veio uma voz dizendo “precisa, mesmo?” – e isso me pegou.
Eu sempre gostei da ideia de que fé e religião são coisas extremamente pessoais e que os efeitos dos nossos pedidos e orações só são percebidos em sua totalidade por aquele que pediu. Nunca pensei nessa relação como Deus sendo o Jim Carrey em “O Todo Poderoso”, em que eu peço ajuda com alguma coisa e lá vai Deus ver o que ele pode fazer pra me ajudar; isso sempre me pareceu uma idéia muito egoísta de Deus (infelizmente, essa é a concepção mais popular). E, convenhamos, Deus tem (ou deveria ter) coisa mais importante pra se preocupar do que me ajudar a conseguir uma promoção ou com o meu controle emocional pra não espancar o coleguinha de trabalho.
No entanto, sempre acreditei que o rito da fé e da oração são componentes poderosíssimos no ser-humano e na sociedade. Há uma crescente quantidade de estudos, que vem de pelo menos 20 anos, sobre a relação fé x ciência (exemplo de 16 anos atrás). Além disso, sempre acreditei no mundo espiritual e na existência de algo maior do que nossa vida medíocre e limitada e que, quando oramos, alguma coisa acontece nesse reino e gera uma espécie de “efeito borboleta” que, ultimamente, influencia a vida na Terra.
O problema é que, conforme os anos foram passando, eu comecei a perceber que, de certa forma, minha fé virou uma espécie de muleta espiritual a quem eu recorro sempre que eu me vejo olhando pra uma parede sem saber o que fazer, o que, por si só, não seria necessariamente um problema. No entanto, o comportamento com o resultado é. Na maioria das vezes, talvez de uma maneira inconsciente, eu fazia algo diferente e isso resultava num resultado positivo pra mim, uma evolução e eu me dava tapinhas nas costas por ter conseguido superar aquele desafio. Já quando nada acontecia, eu corria pra culpar e questionar Deus.
Conveniente, né? Pois bem.
Quando eu digo que “acho que perdi a minha fé” não é como se eu tivesse deixado de acreditar que Deus (ou qualquer divindade, dependendo em que o leitor acredite) exista, mas é como se eu tivesse perdido a capacidade de acreditar que, se há um reino espiritual, ele liga pra o que eu faço ou deixe de fazer aqui embaixo. Digo isso por algumas razões: certamente existem pessoas ou situações que precisem muito mais de uma intervenção divina do que eu; essa relação de “atendemos primeiro que mais pede” não me parece o tipo de troca justa, sobretudo em se tratando da relação com o divino; a sensação incômoda de, no fim, não ser dono das minhas decisões.
Por isso eu acho que perdi minha fé. Ainda acredito que alguém olha lá pela gente e tudo, mas acho que deixei de acreditar que minhas angústias são catalisador de alguma coisa, boa ou ruim, se as colocar num pedido “de coração contrito e humilde”. Eu acredito em Deus e gosto de acreditar na idéia de um Ser-além-do-tempo-e-espaço que se diverte com o quão imbecil pode ser uma de suas criações. Mas acho que, depois de muitos anos, não sei o quanto acredito que alguém me ouve quando eu choro sozinho.
Sabadou.