"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

Tag: aniversário

Todos a bordo?

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Semana passada, mais precisamente no dia 28/6, completei 37 anos de idade.

Foi estranho.

Vejam, eu nunca fui lá muito ligado no meu aniversário. Quer dizer, sempre gosto do carinho das pessoas nesse dia mesmo ficando um pouco sem graça e sem saber o que fazer enquanto me desejam bons votos. Aquele mantra de agradecimento “obrigado… valeu… obrigado mesmo… magina, que é isso, obrigado… super obrigado” é constrangedor (pra mim) porque parece que é um agradecimento meio automático, mas na verdade só tou meio sem graça mesmo (e achando que num mereço tanto carinho assim).

Mas esse ano foi intenso. Na virada de 27 pra 28 eu basicamente tive uma espécie de crise existencial (a Bruna que o diga); eu simplesmente me peguei pensando em quem eu era no mundo e que, na verdade, não tava muito feliz com isso, não. Comecei a me dar conta de que nas últimas semanas num queria muito que o meu aniversário chegasse; é como se essa data jogasse os holofotes demais sobre mim e, portanto, ela não acontecendo, faria com que eu não precisasse olhar pra esses incômodos, não ter que fazer alguma coisa sobre.

Num deu. Eu olhei e olhei muito. Desde terça, então, venho com minha cabeça um pouco mais barulhenta e difusa do que o normal, tanto que hoje (3/7, Domingo), eu virei do nada pra Bruna e disse que queria começar minha semana diferente. A questão é que eu num sei se eu sei o que isso quer dizer, de fato.

E assim, lendo até aqui, parece que minha vida tá uma porcaria, mas num é nada disso. Como todo ser-humano que se preze, obviamente tenho minha quantidade de coisas pra resolver, melhorar, descartar, aparar, adubar e outros ar; mas, no geral, tudo vai muito bem. Mas eu me sinto um pouco como um trem com um dos eixos ligeiramente desalinhado: não é necessariamente perigoso, o trem ainda deve chegar ao destino relativamente intacto, mas o balanço gera um certo incômodo, um pequeno enjôo vez ou outra, entendem?

Mas vocês podem estar gritando com a tela agora: ué, alinha o cacete do eixo, imbecil! E essa, talvez, seja a questão central: saber o que fazer mas não fazê-lo de fato. A coitada da minha terapeuta ouve isso já há algumas sessões, cada vez comigo dizendo isso de maneira mais impaciente. Por isso que quando eu digo que quero começar a semana de uma maneira diferente é mais ou menos como se eu tivesse batendo um martelo no eixo, de maneira aleatória e com o trem em movimento, pra ver se eu consigo gerar qualquer tipo de efeito cinético que, sei lá, talvez não arrume o eixo em definitivo, mas comece a reduzir o balanço.

Eu gosto da metáfora do trem porque sinto que dá pra explicar e relacionar muita coisa, ao menos pra minha cabeça caótica como a malha ferroviária de uma grande metrópole (viu só?). Talvez, os trilhos sejam a nossa vida; vagões são toda nossa bagagem que vamos pegando em cada uma das estações pelas quais passamos e paramos; pessoas, momentos, objetos, ideias: todos entram, ocupam seus lugares e nos acompanham até algum destino, seja duas cidades pra frente, seja no fim da linha.

Acho que o eu quero dizer afinal de contas é que começar a semana diferente não é, necessariamente, mudar no sentido radical da palavra; é poder ajustar o curso e se reencontrar, apertar o eixo e sentir o balanço do trem diminuir gradualmente sabendo que ele não vai sumir; é poder ouvir o barulho confiante do apito da locomotiva, de quem sabe pra onde vai.

Que comece o ano 38.

Até a próxima.

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Três décadas e meia depois

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27 de Junho de 2020, dia do Apocalipse véspera do meu aniversário (e quando comecei esse texto, isso é, semana passada após uma maratona da última temporada de Dark que possivelmente será a tônica neste texto).

No último dia 28 completei 35 anos de idade e nem nos meus sonhos mais malucos eu imaginava isso acontecendo em meio a coisas tão diametralmente opostas quanto uma pandemia e com a minha esposa grávida da nossa primeira filha.

Pra falar a verdade, eu nunca fui de pensar muito em aniversários. Quem me conhece sabe que todo ano, quando vai chegando perto e me perguntam o famoso “e aí, vai fazer o que no seu aniversário?” eu nunca tenho nada em mente e acabo decidindo tudo de última hora. E nem é porque eu não gosto nem nada, eu só não penso muito sobre.

Mas nesse eterno ano de 2020 não tem como. Só que quando começamos a refletir sobre fazer aniversário invariavelmente refletimos sobre toda nossa vida até então, nossos passos, escolhas, pessoas que conhecemos e tal, não só sobre, sei lá, o último ano. É assim que a mente funciona.

Completo três décadas e meia no que eu tranquilamente posso chamar de melhor momento da minha vida adulta. Sou apaixonado e casado com a mulher da minha vida, vou ser pai de uma menina daqui pouco mais de 2 meses, tenho um trabalho que nos proporciona uma vida mais do que confortável (o que é um oásis nesse mundo doente de hoje) e, sinceramente, não tenho nada do que reclamar.

E o caminho até aqui foi, no mínimo, interessante. Envelhecer é um processo que possui uma das coisas que eu mais abomino na vida que é a total falta de controle sobre o que pode ou não acontecer (tipo como um… Apocalipse). Só que, ironicamente, é provavelmente por conta dessa falta de controle que eu estou aqui do jeito que estou aqui.

Foi justamente por ter feito escolhas erradas que, hoje, talvez o meu julgamento sobre o que é certo ou errado é um pouquinho melhor; foi justamente por ter sido uma pessoa não muito boa algumas vezes que hoje eu tento ser a melhor pessoa possível que cada situação pede; foi justamente por ter me silenciado diante de injustiças e absurdos que hoje eu busco me posicionar sempre que possível. Enfim, foi por ter achado que o mundo girava em torno do meu umbigo, das minhas dores e angústias que hoje – embora ainda esteja longe de ter eliminado esse comportamento – sei que eu importo tanto quanto qualquer outra pessoa nesse planeta.

Estamos vivendo a era da lacração e desconstrução, onde todo mundo tem uma opinião sobre tudo e todos o tempo inteiro e estamos sempre com dedos a postos pra botar na nossa cara com um sonoro “eu avisei” (eu incluso). Mas desconstruir-se é um processo que leva mais tempo que um vídeo o YouTube e exige mais estudo do que 280 caracteres no Twitter, além de prescindir da sua mente disposta a ser corrigida. Por fim, sejamos honestos: o processo de desconstrução nessa nossa sociedade desigual, viciada e esgotada não termina. Nunca estaremos livres de todos os nossos preconceitos e arrogâncias.

E assim chego aos 35 anos de idade, muito melhor do que eu já fui, mas ainda longe de ser a pessoa que eu posso e quero ser.

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© 2024 Alê Flávio

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